domingo, 22 de novembro de 2015

A SUTIL DIFERENÇA ENTRE “FRACASSAR” E “ERRAR RÁPIDO” por Ricardo Schiffini Delamea

Passados aproximadamente 240 anos da revolução marcada pela invenção da máquina a vapor de James Watt (1776), a Revolução Industrial, percebo que as premissas de tratamento ao ser humano trabalhador desenvolvidas na época, que pregavam a submissão via aversão ao risco, permanecem vivas e, pior, sendo disseminadas e amplificadas principalmente nas organizações. Precisamos de trabalhadores submissos, fiéis e produtivos. Prova disso é que os pubs londrinos fechavam às 8 da noite, ou seja, os “patrões” controlavam até o horário de “lazer”. Se ficarem bebendo não iriam trabalhar no dia seguinte.  Até hoje mantém-se viva a tradição de “tocar o sino” para a última rodada (“last orders!”).
Não há espaço para pensar, não há espaço para tentar. Valores como “estabilidade”, “segurança” e “fidelidade à corporação”, entre outros, permanecem muito atuais em nossa sociedade e repetidos como um mantra em muitas organizações. Pessoas “normais” devem ter uma vida normal, sem sobressaltos ou ousadias. Sem tentar nada.
Geramos milhões de “fracassados” (“losers”, quando na língua inglesa se quer ofender alguém) como padrão de sociedade: aqueles que ficaram “no caminho” por não terem tentado ou terem desistido na primeira tentativa são severamente penalizados: “...coitado do fulano: saiu do “emprego” para montar seu próprio negócio e se deu mal”. Se você tentou e “...não deu certo”, bordão muito questionável, com certeza, foi o preço pago por “sair dos padrões” e é culpa inteiramente sua. Prova disso são alguns clichês banais e aparentemente insubstituíveis que ouvimos, principalmente no discurso corporativo: “...é melhor um pássaro na mão que dois voando”; “..não vamos reinventar a roda”; “...cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”!
Ora: na hipótese remota que você tenha um dia um pássaro na mão, é bom soltá-lo. Em geral, é da natureza das aves voarem. Ficar na sua mão não é uma coisa legal: ou ele irá cagar na sua mão logo, ou corre-se o risco que o IBAMA autue-o e condene-o por crime ambiental inafiançável. Eu avisei que não era legal.
Fazendo a analogia do pássaro com a “garantia” do emprego “de carteira assinada”, qual seria então a vantagem de ter um pássaro na mão, se você pode ser demitido a qualquer momento e não sabe fazer nada mais além do que fazia quando empregado? Três pássaros voando, incluindo você enquanto empreendedor, não seria mais sustentável e interessante? “...é melhor três pássaros voando que um na mão”!
...não vamos reinventar a roda”! A roda vem sendo reinventada desde a primeira vez que rodou. As primeiras eram de pedra! Alguém quer uma roda de pedra (não reinventada)? Melhor seria “...não vamos reinventar a forma circular porque ela é talvez a forma mais perfeita já inventada mas os materiais, o conteúdo as funcionalidades e proposta de valor estão sendo reinventadas permanentemente. Faça uma pesquisa na internet sobre as “rodas” do carro do futuro e irão ter uma ideia que reinventar a roda é bom...  A propósito: porque as tampas de bueiros são circulares, algo parecido a uma roda rudimentar, já foi inclusive questão do processo seletivo para trabalhar na Google. 
...cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”! Caldo de galinha é comida de doente, de convalescente. Alguém fora de seu estado são. Imagino que, se alguém seguisse à risca esse conselho, tomando canja de galinha em todas as refeições de sua vida, provavelmente morreria de desnutrição ou de tédio gastronômico. Qual a vantagem de tomar caldo de galinha? Qual a vantagem de ser cauteloso na vida? No genial poema épico de Dante Alighieri, “A divina comédia”, que narra o périplo pelo paraíso, inferno e purgatório, em determinado momento o autor pondera: pior que o paraíso ou o inferno é o limbo. Ou seja, aqueles que tiveram uma vida insignificante que não mereceram, sequer, um julgamento. Há uma inveja latente daqueles que estão no limbo para “ser algo” ainda que condenasse-o ao inferno, seria melhor.
Mas no meio do caminho havia a geração “Y”.  Os jovens nascidos entre 1977 e 2000 sob um contexto tecnológico nada “revolução industrial” e tudo “sociedade da informação e do conhecimento”. Uma versão de Arquimedes repaginado: “...me deem um computador e um acesso à internet e moverei o mundo”! Crescidas em uma época de grande prosperidade econômica e tecnológica, seus pais os encheram de presentes e “mimos” fomentando a autoestima dos filhos. Acostumados a obterem o que querem, não admitem sujeitar-se às árduas tarefas subalternas de início de carreira de uma organização, lutam por salários altos desde o início da carreira e não tem paciência para esperar 20 anos para “evoluir na carreira” (...que inveja dessa geração!).
Sendo assim, é de se imaginar que as pessoas dessa geração troquem de emprego com frequência ou mesmo empreendam por conta própria em grande número. Com o poder da informação distribuído e menor capacidade de controle por parte das organizações, esta geração começa a estabelecer um padrão de relacionamento diferenciado com o “trabalho” uma vez que, diferentemente de seus pais, avós e bisavós, não viveram épocas de guerras e desemprego severos. Começa a emergir então uma nova forma de abordar o processo de “tentativa e erro” inerentes ao processo de inovação: temos que “errar rápido” para chegar ao projeto bem-sucedido! E de fato isso é possível de se fazer! “Landing pages”, Canvas, mentoria, escalabilidade e aceleração, entre outras ferramentas, começam a fazer parte de um novo cardápio empreendedor muito mais ousado e rico de possibilidades que contribuem para “errar rápido” com menos temores.
O medo de errar começa a ser substituído pela vontade de errar, porém em ciclos curtos, gastando pouco e aprendendo muito. Essa talvez seja a diferença mais radical com relação ao passado: lidar com a “frustração” como um fato corriqueiro e não negativo. Eric Ries faz sucesso com seu livro “A startup enxuta”. Quando se trabalha “enxuto” (lean) pode-se errar muitas vezes porque os custos do erro são minimizados e os ganhos de aprendizado são maximizados.
Começamos a ver um comportamento ousado, desafiante, inovador. Pai, me empresta um capital para eu errar rápido? (Está instalado um choque de gerações). Eu só empresto se tiver certeza que irá dar certo! Piá idiota? E em um banco, então, como seria esta conversa? Mas quais são suas garantias reais para fazer isso?

O fato é que, de forma consciente ou inconscientemente, esta geração começou a desenvolver uma nova forma de lidar com o ato de “fracassar”.  Dizem as lendas corporativas que, para trabalhar no Vale do Silício, na Califórnia, o “bom” currículo é o daquele candidato que “quebrou” vários negócios. Quem nunca vivenciou um fracasso não serve. Sendo assim, quero destacar esta pequena grande diferença que começa-se a vislumbrar como um cromossoma do DNA das gerações contemporâneas: viver é arriscar-se, lançar-se, empreender. Ou seria tudo a mesma coisa? Tendo a pensar que sim.

É óbvio que o contexto social e tecnológico ajuda um pouco nessa nova forma de tratar-se o fracasso, porém nada substitui a iniciativa individual, com autoestima alta, de propor-se a fazer algo e ...fazer! Esta centelha, esta sinapse, que, como um lampejo divino, faz a ideia se concretizar e isso a geração “Y” parece ter de sobra. Nelson Rodrigues, sem ter conhecido a internet, em sua incomensurável sabedoria de vida, já havia sacado isso. Agora é minha vez de usar um clichê: “Você erra 100% dos chutes que não dá”. “Fracasso” é não tentar. Uma tentativa que não deu (ainda) resultado, chama-se “aprendizado”. Certamente não estamos frente a uma geração perdida mas a uma geração de sábios, ainda que incompreendida, como costumam ser todas as gerações revolucionárias.


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