sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A Sempre Móvel Imaginação, por Marcelo Alessandro Fernandes

Uma vez perguntaram a Albert Einstein como ele havia conseguido vislumbrar a teoria da relatividade. Ele respondeu que certa vez estava caminhando pelas ruas de Londres à noite e começou a imaginar o que aconteceria com ponteiros do Big Ben caso a construção viesse a se deslocar na velocidade da luz.
Será que a hora marcada sofreria alguma alteração em relação a hora marcada no ponto de origem?
Deste momento em diante, ele começou a criar uma teoria que modificaria radicalmente o entendimento sobre a relação espaço-tempo.
Em outras entrevistas, ele dizia se imaginar em cima de um cometa percorrendo os confins do universo para poder “observar” os eventos dos quais ele estudava.
Isso nos mostra que mesmo em áreas em que a racionalidade parece desempenhar um papel central para os seguidos avanços, as grandes descobertas se relacionam com a capacidade que os indivíduos têm de libertar sua imaginação junto aos grilhões da experiência de senso comum.
Como definido por Bachelard[1], a imaginação é um dinamismo organizador, e muito longe de formar imagens, a imaginação é potência dinâmica que deforma as cópias objetivas fornecidas pela percepção.
Algo de ativo e prazeroso toma conta de nossos espíritos quando nos entregamos ao exercício da imaginação.
A experiência imaginante é sempre uma experiência que ultrapassa outra já vivida.
Comprazemo-nos pelo livre desejo de criar como algo que potencializa nossa condição humana.
Uma atmosfera de irrealidade se forma junto a nós, carregada de uma plenitude que só poderíamos encontrar em nós mesmos, fazendo com que, nestes momentos, um ímpeto libertador nos conduza para além das amarras que restringem nossos espíritos.
Diria que tal condição vai muito além das maiores potencialidades que qualquer outro processo sistematizado possa trazer nos termos que uma ação criativa requeira.
Na verdade, não podemos falar em realidade como algo dissociado da nossa imaginação[2]. Sempre precisaremos de novas imagens, criadas nas nossas mentes para nos servirmos de meios que possibilitem captar coisas que estão além da nossa percepção.
Isso porque muito do que produzimos de significado sobre a realidade só pode ser feito de forma plena pela via da construção imaginativa, a exemplo dos livros, que, quando são materializados em filmes ou personagens concretos, perdem sua capacidade poética de expressão. Perdem justamente elementos de imaginação.
As ruas históricas de uma bela cidade como Paris, Veneza ou Rio de Janeiro, talvez causem uma viva impressão nos nossos espíritos por nos induzir ao devaneio. A experiência vital não acaba e não se restringe ao concreto.
Podemos imaginar nosso dia, nosso futuro e até mesmo reimaginarmos nosso passado, quando recriamos os acontecimentos na forma como gostaríamos que devessem ter transcorrido.
A imaginação nos dá caminhos para um maior conhecimento da nossa realidade e sobre nós mesmos e isto nos permite ir além, propiciando a criação de coisas nunca antes conhecidas.
O próprio processo de aprendizagem necessita ser ativo e imaginativo para que de fato possamos vislumbrar algo novo e acreditamos na possibilidade desse algo vir a existir.
Talvez essa capacidade de transcender e vislumbrar novos mundos tenha sido vital na nossa evolução enquanto espécie. Prefiro pensar que nós não somos o resultado de um processo evolutivo, como um produto que se viabilizou pela adaptação frente às diferentes situações para sobreviver.
Prefiro pensar que, na verdade, somos seres imaginativos. Seres que buscam extrair significado de suas experiências, mas que não se restringem e não se condicionam a estas. Seres que podem recriar sua condição mais livremente.
Muitos pesquisadores apontaram para a importância central das imagens como fatores preponderantes da intelecção[3]. Que, quando reprimidas, não possibilitariam o surgimento de novos raciocínios e, ao invés disso, temos uma ausência de resposta criativa. Pontos de vista que poderiam surgir são, então, inibidos, e em substituição à novidade trazida pelo insight iluminador, temos a mente dominada por padrões defensivos e rotineiros.
A representação simbólica possui um caráter fundamental nesse processo, pois permite o surgimento de padrões de pensar desvinculados da orientação dominante. Permite que tenhamos percepções ambivalentes, ambíguas, artísticas e mais abertas para expressão poética.
A condição do ser poético nos permite transitar nos limites do incerto, do indefinido.
Nesse sentido, a cognição é enriquecida pelo colorido das interpretações e pela possibilidade de criação de novos significados.
Sem o símbolo, sem a imagem dinamizada, o pensamento ficaria enredado a uma sequência de perguntas e respostas rotineiras, permitindo com que investiguemos apenas aquilo que já sabemos, como se estivéssemos sempre detalhando mais e mais, com pincéis cada vez mais finos, uma pintura a óleo que não se modifica essencialmente.
Isso porque nossa mente é senciente[4], isto é, está ciente de si mesma ao mesmo tempo em que se ocupa de refletir sobre seu próprio conteúdo. Ela sempre está na realidade que ela própria cria e ressignifica. Isso permite que tenhamos um dinamismo que a um só tempo se deixa influenciar por eventos externos que nos chegam através dos sentidos, mas, ao mesmo, abre-se para nossa capacidade mais livre e autônoma de produzir novos significados a partir da nossa capacidade de imaginar livremente.
Nesse sentido, a inventividade humana seria a resultante dos processos imaginativos e intelectivos que moldam e também dão soluções novas aos desafios concretos. Ou seja, a imaginação, muito mais do que trabalhar afastada das condições materiais, floresce pela interação direta com as condições dos problemas.
Um artista plástico ou um designer poderão ter uma ideia inicial antes mesmo de começar a esboçar uma solução para um problema. Mas esta ideia poderá sofrer modificações significativas, tanto decorrentes da necessidade de adaptação às condições como também decorrentes da pessoa que continua a reelaborar imaginativamente sua realidade.
As condições materiais como a tinta, papel, moldes, e demais materiais que nos “desafiam” a compor um artefato criam marcas “impressivas” na nossa mente, induzindo a uma dinamização imaginativa, e, portanto, criativa, que decorre também no processo de construção.
O empreendedor criativo não é um escravo das condições, que parecem sempre indicar soluções claras e definidas, nem um observador distanciado, que está além da influência direta dos fatores que circunscrevem os problemas. Sempre existirá a possibilidade de recriação das condições que se apresentam por meio de um crescente de imaginação e aprendizado.
Negócios mais imaginativos parecem se relacionar com o cerne da criação de riquezas nos mercados de hoje. Muito além da dimensão técnica e funcional, a originalidade e o colorido artístico estão cada vez mais presentes nos novos produtos e serviços, na filosofia e no espírito das organizações mais inovadoras.
Essas organizações buscam traduzir em uma nova áurea o encantamento e os sonhos buscados pelas pessoas, indispensáveis à nossa condição.
A humanidade sempre pediu por mais cores e poesia. Sempre quis maravilhar-se. Através da imaginação, poderemos continuar a saciar essa necessidade inerente ao espírito humano.
Podemos relacionar a criatividade e mesmo a inovação pegando de empréstimo noções caras a arte que, por sua vez, busca reinterpretar e gerar modificações significativas no mundo através de aspirações do que poderia vir a ser, na plenitude imaginativa presente na mente de qualquer pessoa[5]. A sua maior restrição não seriam as barreiras do perceber, mas sim as barreiras do imaginar, algo muito diferente em essência, pois o imaginar envolve um movimento que é criador em si mesmo. Pode modificar nossa noção sobre o mundo de forma a enriquecer a experiência mais prosaica. Nesse sentido é que a imaginação se sobressai do caráter utilitarista e imediatista de boa parte das abordagens utilizadas na resolução de problemas.
Para tanto, existe um enorme “espaço de imaginação” a ser trabalhado junto às pessoas e suas organizações, que possam se desdobrar em infinitas possibilidades mais ricas em sentido para a ação humana.
Mesmo as pessoas que trabalham rotineiramente com a criatividade sabem o quão difícil é manter a imaginação potencializada. Isso acontece justamente porque cremos que ganhos práticos decorrem igualmente do pensar orientado aos limites de um problema e, com isso, abandonamos prematuramente voos mais imaginativos por uma descrença enraizada em nosso inconsciente de que, no fim das contas, imaginar é apenas um jogo que a mente se utiliza para não ceder às pressões do real.
Nesse sentido, ser imaginativo é estarmos desligados da nossa realidade e, ao fazermos isso, nos tornaríamos vulneráveis às vicissitudes e armadilhas do nosso cotidiano.
Mas, se entendermos que a realidade não está fora de nós, e sim que ela está em nossa mente, e que ao desligarmos os laços com


[1]     BACHELARD, Gaston. O Ar e os Sonhos – Ensaio sobre a Imaginação do Movimento. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
[2]     DURAND, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
[3]     LONERGAN, Bernard. Insight – Um Estudo Sobre o Conhecimento Humano. É realizações, 2010.
[4]     ZUBIRI, Xavier. Inteligência e Realidade. É Realizações, 2011.
[5]     GILSON, Etienne. Introdução às Artes do Belo. É Realizações, 2010.

O livro está disponível para venda pela Editora Juru https://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=23796





Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Licença de Uso

Licença Creative Commons
Cátedra Ozires Silva de Cátedra Ozires Silva está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://catedraozires.blogspot.com.br/.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença em http://catedraozires.blogspot.com.br/.