Uma vez perguntaram a Albert Einstein como
ele havia conseguido vislumbrar a teoria da relatividade. Ele respondeu que
certa vez estava caminhando pelas ruas de Londres à noite e começou a imaginar
o que aconteceria com ponteiros do Big Ben caso a construção viesse a se
deslocar na velocidade da luz.
Será que a hora marcada sofreria alguma
alteração em relação a hora marcada no ponto de origem?
Deste momento em diante, ele começou a criar
uma teoria que modificaria radicalmente o entendimento sobre a relação
espaço-tempo.
Em outras entrevistas, ele dizia se imaginar
em cima de um cometa percorrendo os confins do universo para poder “observar”
os eventos dos quais ele estudava.
Isso nos mostra que mesmo em áreas em que a
racionalidade parece desempenhar um papel central para os seguidos avanços, as
grandes descobertas se relacionam com a capacidade que os indivíduos têm de
libertar sua imaginação junto aos grilhões da experiência de senso comum.
Como definido por Bachelard[1], a imaginação é um dinamismo organizador, e
muito longe de formar imagens, a imaginação é potência dinâmica que deforma as
cópias objetivas fornecidas pela percepção.
Algo de ativo e
prazeroso toma conta de nossos espíritos quando nos entregamos ao exercício da
imaginação.
A experiência
imaginante é sempre uma experiência que ultrapassa outra já vivida.
Comprazemo-nos
pelo livre desejo de criar como algo que potencializa nossa condição humana.
Uma atmosfera
de irrealidade se forma junto a nós, carregada de uma plenitude que só
poderíamos encontrar em nós mesmos, fazendo com que, nestes momentos, um ímpeto
libertador nos conduza para além das amarras que restringem nossos espíritos.
Diria que tal
condição vai muito além das maiores potencialidades que qualquer outro processo
sistematizado possa trazer nos termos que uma ação criativa requeira.
Na verdade, não
podemos falar em realidade como algo dissociado da nossa imaginação[2]. Sempre precisaremos de novas imagens,
criadas nas nossas mentes para nos servirmos de meios que possibilitem captar
coisas que estão além da nossa percepção.
Isso porque muito do que produzimos de significado sobre a realidade só
pode ser feito de forma plena pela via da construção imaginativa, a exemplo dos
livros, que, quando são materializados em filmes ou personagens concretos,
perdem sua capacidade poética de expressão. Perdem justamente elementos de
imaginação.
As ruas
históricas de uma bela cidade como Paris, Veneza ou Rio de Janeiro, talvez
causem uma viva impressão nos nossos espíritos por nos induzir ao devaneio. A
experiência vital não acaba e não se restringe ao concreto.
Podemos
imaginar nosso dia, nosso futuro e até mesmo reimaginarmos nosso passado,
quando recriamos os acontecimentos na forma como gostaríamos que devessem ter
transcorrido.
A imaginação
nos dá caminhos para um maior conhecimento da nossa realidade e sobre nós
mesmos e isto nos permite ir além, propiciando a criação de coisas nunca antes
conhecidas.
O próprio
processo de aprendizagem necessita ser ativo e imaginativo para que de fato
possamos vislumbrar algo novo e acreditamos na possibilidade desse algo vir a
existir.
Talvez essa
capacidade de transcender e vislumbrar novos mundos tenha sido vital na nossa
evolução enquanto espécie. Prefiro pensar que nós não somos o resultado de um
processo evolutivo, como um produto que se viabilizou pela adaptação frente às
diferentes situações para sobreviver.
Prefiro pensar
que, na verdade, somos seres imaginativos. Seres que buscam extrair significado
de suas experiências, mas que não se restringem e não se condicionam a estas.
Seres que podem recriar sua condição mais livremente.
Muitos
pesquisadores apontaram para a importância central das imagens como fatores
preponderantes da intelecção[3]. Que, quando
reprimidas, não possibilitariam o surgimento de novos raciocínios e, ao
invés disso, temos uma ausência de resposta criativa. Pontos de vista que
poderiam surgir são, então, inibidos, e em substituição à novidade trazida pelo
insight iluminador, temos a mente
dominada por padrões defensivos e rotineiros.
A representação
simbólica possui um caráter fundamental nesse processo, pois permite o
surgimento de padrões de pensar desvinculados da orientação dominante. Permite
que tenhamos percepções ambivalentes, ambíguas, artísticas e mais abertas para
expressão poética.
A condição do
ser poético nos permite transitar nos limites do incerto, do indefinido.
Nesse sentido, a cognição é enriquecida pelo colorido das interpretações
e pela possibilidade de criação de novos significados.
Sem o símbolo, sem
a imagem dinamizada, o pensamento ficaria enredado a uma sequência de perguntas
e respostas rotineiras, permitindo com que investiguemos apenas aquilo que já
sabemos, como se estivéssemos sempre detalhando mais e mais, com pincéis cada
vez mais finos, uma pintura a óleo que não se modifica essencialmente.
Isso porque
nossa mente é senciente[4], isto é, está ciente de si mesma ao mesmo
tempo em que se ocupa de refletir sobre seu próprio conteúdo. Ela sempre está
na realidade que ela própria cria e ressignifica. Isso permite que tenhamos um
dinamismo que a um só tempo se deixa influenciar por eventos externos que nos
chegam através dos sentidos, mas, ao mesmo, abre-se para nossa capacidade mais
livre e autônoma de produzir novos significados a partir da nossa capacidade de
imaginar livremente.
Nesse sentido,
a inventividade humana seria a resultante dos processos imaginativos e
intelectivos que moldam e também dão soluções novas aos desafios concretos. Ou
seja, a imaginação, muito mais do que trabalhar afastada das condições
materiais, floresce pela interação direta com as condições dos problemas.
Um artista
plástico ou um designer poderão ter uma ideia inicial antes mesmo de começar a
esboçar uma solução para um problema. Mas esta ideia poderá sofrer modificações
significativas, tanto decorrentes da necessidade de adaptação às condições como
também decorrentes da pessoa que continua a reelaborar imaginativamente sua
realidade.
As condições
materiais como a tinta, papel, moldes, e demais materiais que nos “desafiam” a
compor um artefato criam marcas “impressivas” na nossa mente, induzindo a uma
dinamização imaginativa, e, portanto, criativa, que decorre também no processo
de construção.
O empreendedor
criativo não é um escravo das condições, que parecem sempre indicar soluções
claras e definidas, nem um observador distanciado, que está além da influência
direta dos fatores que circunscrevem os problemas. Sempre existirá a
possibilidade de recriação das condições que se apresentam por meio de um
crescente de imaginação e aprendizado.
Negócios mais
imaginativos parecem se relacionar com o cerne da criação de riquezas nos
mercados de hoje. Muito além da dimensão técnica e funcional, a originalidade e
o colorido artístico estão cada vez mais presentes nos novos produtos e
serviços, na filosofia e no espírito das organizações mais inovadoras.
Essas
organizações buscam traduzir em uma nova áurea o encantamento e os sonhos
buscados pelas pessoas, indispensáveis à nossa condição.
A humanidade
sempre pediu por mais cores e poesia. Sempre quis maravilhar-se. Através da
imaginação, poderemos continuar a saciar essa necessidade inerente ao espírito
humano.
Podemos
relacionar a criatividade e mesmo a inovação pegando de empréstimo noções caras
a arte que, por sua vez, busca reinterpretar e gerar modificações
significativas no mundo através de aspirações do que poderia vir a ser, na
plenitude imaginativa presente na mente de qualquer pessoa[5]. A sua maior restrição não seriam as
barreiras do perceber, mas sim as barreiras do imaginar, algo muito diferente
em essência, pois o imaginar envolve um movimento que é criador em si mesmo.
Pode modificar nossa noção sobre o mundo de forma a enriquecer a experiência
mais prosaica. Nesse sentido é que a imaginação se sobressai do caráter
utilitarista e imediatista de boa parte das abordagens utilizadas na resolução
de problemas.
Para tanto,
existe um enorme “espaço de imaginação” a ser trabalhado junto às pessoas e
suas organizações, que possam se desdobrar em infinitas possibilidades mais
ricas em sentido para a ação humana.
Mesmo as
pessoas que trabalham rotineiramente com a criatividade sabem o quão difícil é
manter a imaginação potencializada. Isso acontece justamente porque cremos que
ganhos práticos decorrem igualmente do pensar orientado aos limites de um
problema e, com isso, abandonamos prematuramente voos mais imaginativos por uma
descrença enraizada em nosso inconsciente de que, no fim das contas, imaginar é
apenas um jogo que a mente se utiliza para não ceder às pressões do real.
Nesse sentido,
ser imaginativo é estarmos desligados da nossa realidade e, ao fazermos isso,
nos tornaríamos vulneráveis às vicissitudes e armadilhas do nosso cotidiano.
Mas, se entendermos
que a realidade não está fora de nós, e sim que ela está em nossa mente, e que
ao desligarmos os laços com
[1]
BACHELARD, Gaston. O Ar e os Sonhos – Ensaio sobre a
Imaginação do Movimento. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
[2]
DURAND, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
[3]
LONERGAN, Bernard. Insight – Um Estudo Sobre o Conhecimento Humano. É realizações,
2010.
[4]
ZUBIRI, Xavier. Inteligência e Realidade. É Realizações, 2011.
[5]
GILSON, Etienne. Introdução às Artes do Belo. É Realizações, 2010.
O livro está disponível para venda pela Editora Juru https://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=23796
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