(“Economia do Mais – Coisas que você não ouvirá de
nenhum outro economista - de José Monir Nasse
Tríade Editora, 2003)”
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Uma das razões da
existência da Cátedra Ozires Silva é constituir-se em um espaço de construção
de conhecimento para o empreendedorismo cujo patrono, inspirador e homenageado,
Sr. Ozires Silva, defende apaixonadamente.
Para nossos caros
amigos da Cátedra, gostaria de contar um pouco aqui do que se trata esse livro
estupendo, e o quanto é bom trocar ideias sobre o que escreveu o memorável
economista paranaense José Monir Nasser (1953-2013).
Como ele próprio
definiu Economia do Mais – Coisas
que você não ouvirá de nenhum outro economista é um livro incomum, um
livro de advertências, “foi feito para provocar e não para teorizar”. Recolhimento
das transcrições das 12 palestras presididas pelo economista e restaurador
cultural José Monir Nasser, realizadas no I Curso Paranaense de Desenvolvimento
Contemporâneo, entre 2001 e 2002 no Instituto Paraná Desenvolvimento (IPD).
A começar pelo o que se
entende de economia, Monir adverte que ficamos “desbussolados” por força de
diferentes abordagens e modismos e aí vamos perdemos os fundamentos das coisas:
“a economia é um conjunto de ações organizadas para produzir os meios materiais
de sobrevivência humana. Qualquer acréscimo à ciência econômica deveria
pautar-se nas novas maneiras de se obter esses meios”.
Empreendedorismo Cívico
Dos doze capítulos do
livro, quatro discorrem sobre o que o autor define como “empreendedorismo
cívico”, um empreendedorismo que longe da utopia, é real e factível. Nasser
quer introduzir o leitor ao o que ele chama de nova competitividade de pequeno
âmbito, uma progressiva possibilidade de organização econômica e um novo tipo
de intervenção a que ele chama de empreendedorismo cívico, ou seja, um processo
fruto de interações sociais repetidas para desenvolver os indivíduos capazes de
produz capital social baseado nas identidades da sociedade, sob forma de
valores. O capital social aqui tem o sentido amplo de compartilhar coisas
comuns, seja um destino, um mito fundador ou uma profecia escatológica a que
ele chama de civismo. Monir retoma Ortega y: “sociedade é o que se produz
automaticamente pelo simples fato da convivência”. Monir é perseverante quanto
ao argumento de que o Estado, as relações jurídicas e o mundo civil vem depois
e que em qualquer sociedade há poder, mesmo antes de haver governo! Ou seja,
grandes discussões! Discussões que mais vale discutir, ampliar, repensar, comparar, atenuar, contextualizar, ao invés de comodamente tomar a
maniqueísta atitude do “só vale se for certo ou do errado”, do “concordo ou
discordo”, diante de qualquer coisa.
Quando abrimos a
consciência e nos libertamos um pouco do senso comum, esse livro se transforma
em um exercício intelectual! Esteja pronto para recategorizar coisas nas quais
acreditava!
Monir conta que a
expressão “empreendedorismo cívico” foi usada pela primeira vez no processo de
revitalização do Vale do Silício, quando seus executores publicaram um
relatório de recomendações voltadas a processos de tomada de ação. Eles
perceberam que não se pode criar identidade onde ela já não existe.
Outra conclusão é que o
empreendedor cívico terá que começar onde pelo menos houver farrapos de
identidade, onde puder promover a interatividade, onde ele pode escrever um
enredo possível, no sentido de adequar ao o que é factível, a partir dos
recursos que já se tem.
Ao mostrar exemplos,
ele fala da região da Emilia-Romagna na Itália, e apresenta como a região foi
capaz de tornar os envolvidos em um projeto comum mais competentes, o que se
tornou o segredo da competitividade da região, ou como as interações fizeram
com que a província basca de Mondragón tivesse expulsado do ambiente social a
ganância, a vaidade e a dominação. Mesmo que talvez acreditemos que isso não
seja tão plausível assim em contextos nacionais, é interessante ir a fundo a
histórias da região da Emília-Romana e de Mondragón para sentir o quanto além
de verossímeis, são possíveis! Não há modelos a seguir, talvez essas experiências sejam
irreproduzíveis, tais as suas especificidades...Tive a oportunidade de fazer esse
exercício para minha dissertação de mestrado
quando estudava as interações que fizeram a potência do Arranjo
Produtivo Local (APL) de Software de Pato Branco e região. Lá, acabamos por
verificar, dentro de uma ótica de análise histórica e também a partir da
abordagem institucional da economia, uma série de sinais de uma sociedade que
soube, apesar das dificuldades, se desvencilhar do “descontinuismo político”
em prol de um projeto comum para a cidade, o de se tornar referência no setor
no Paraná. Academia, governo local e sociedade se juntaram as mãos pela
sustentabilidade do projeto. Hoje a região é reconhecida e procurada por
grandes investidores e interessados em aprender como avançaram institucionalmente
o que resultou em uma aglomeração produtiva e inovadora na produção de
tecnologia.
“O empreendedor cívico
não quer mudar o mundo pois sabe que essa pretensão beira ao delírio!”. A
assertividade de Monir é desconcertante: “sabe-se prisioneiro da identidade que
só existe no pequeno âmbito. Não pode ultrapassar o pequeno âmbito, porque não
pode atuar num vácuo de identidade: sem identidade não há confiança”. E assim ele segue entre exemplos e em uma
leitura divertida, rica e profunda ao mesmo tempo.
Comunidades de Desenvolvimento: mais Embraeres para o Brasil
Para explicar qualquer
coisa, Monir toma a coisa pelo que ela é. Antes de ser adjacente a
características e critérios criados por teorias, opiniões ou argumentos,
correntes filosóficas, ideologias, ou o que quer que seja, a coisa tem a sua
natureza intrínseca e inexpugnável e é sempre a partir daí, de maneira simples
e didática, que ele começa.
A competitividade da
firma, por exemplo, depende de uma tríade sistêmica que envolve: 1. sua própria
competência; 2.condições econômicas; 3.entorno favorável. E essas condições
impactam de maneira diferente cada uma das firmas. E mais além, ele constata
que processos humanos, seja uma pessoa, uma firma, uma organização, uma
comunidade, ou um grupo social inteiro
podem passar pela mesma via de desenvolvimento.
Para Monir, Mondragón,
Emília-Romana, Jacksonville, os clusters
dentro da perspectiva do Michael Porter ou a região de Heidelberg na Alemanha
são categorias do que ele chama de comunidades de desenvolvimento, seja de
competição, de talentos, locais ou de aprendizado. Comunidade de
desenvolvimento pode ser tanto uma empresa quanto um território. Para ele,
competitividade está intrinsecamente relacionado à semântica exercida dentro da
comunidade de desenvolvimento, que ele define como um agrupamento de indivíduos
que têm forte identidade local, um núcleo duro capaz vislumbrar objetivo comum
com
oportunidade, à qual
(interessante!) nenhum processo de globalização é capaz de impor-se
unilateralmente, quando a comunidade cria uma inteligência própria, ela se
adapta e se beneficia do que a globalização tem de bom, mas ela permanecerá
inexpugnável!
A autocrítica de Monir
lhe permite raros exemplos nacionais: “O maior exemplo de sucesso econômico
brasileiro na economia globalizada é o avião brasileiro, resultado da interação
do talento dos engenheiros do ITA, da capacidade de pesquisa do CTA do Ministério
da Aeronáutica e da competência da gestão privada da Embraer.” Quando tudo
começou, lá estava o nosso patrono, Sr. Ozires Silva a comandar a interação dos
militares brasileiros com os melhores engenheiros aeronáuticos americanos e
brasileiros!
Monir acredita em mais
Embraeres para o Brasil!
Refletindo sobre isso,
e tendo em mente a construção do conhecimento desde David Ricardo, Schumpeter,
Penrose, o problema dos critérios de competitividade da firma envolve mais do
que uma combinação de imaginação, de “bom senso” na gestão, de autoconfiança e
de qualidades pessoais do empreendedor. Este problema vincula-se tanto às
“expectativas” da firma, quanto à maneira que interpreta o seu “entorno”, em
função de recursos tangíveis e intangíveis, internos e externos. É por isso que
a institucionalidade não deve ser considerada como recurso dado, ela pode ser
desenhada pela firma por meio de processos compensatórios de suas interações
repetidas que fazem gerar, ou não, um espectro favorável ao florescimento dos talentos,
ao crescimento e das comunidades de desenvolvimento.
Economia globalizada e a deflação construtiva
Mais atual do que
nunca, pois trata de observações fundamentais, o livro também traz as
diferenças entre a economia fechada e a economia globalizada na qual as
empresas têm dois grandes desafios que se confundem com duas grandes
oportunidades: a forte concorrência e o peso do mercado.
Monir chama a atenção à
queda das fronteiras e a dispersão das tecnologias que reduzem as distâncias e
o poder do mercado que vem do poder crescente de consumidores mais bem
informados que obrigam as firmas a elevar a qualidade e baixar os preços, ou
seja, o fenômeno de deflação construtiva
(para diferenciá-lo da deflação destrutiva de 1929), porque o consumidor se beneficia
sob a forma de preços mais baixos e de maior qualidade. Entretanto, diz Monir,
essa mesma deflação construtiva é responsável por distúrbios no mercado de
trabalho criados pela economia de custo que universaliza a automação, buscam
fusões ou transferem sua produção para locais com custos menores.
O Mundo do Mais e o Mundo do Menos
Mas os conceitos
centrais do livro envolvem o que autor diferencia entre o Mundo do Mais e o Mundo do Menos.
Baseando-se em elevados
sentidos aristotélicos, Monir parte da hipótese de que o sentido da vida humana
se realiza por amor à excelência, o agathon,
ou seja, uma força vital que move qualquer processo humano. É o que o inspira a
desenvolver o conceito do Mundo do Mais: “Santo Agostinho perguntado por que
encomendara sapatos de um ateu, teria dito que o propósito do sapateiro é fazer
bons sapatos, eis a razão do Mundo do Mais”. A lógica do Mundo do Menos é
produzir quaisquer sapatos, de modo que dê menos trabalho possível, mesmo que
comprometa a qualidade, ou seja, a procura da excelência substituída pela
obsessão do menor esforço.
Pessoas, firmas,
organizações, comunidades do Mundo do Mais “se comprometem com a qualidade, com
produzir valor para os outros e para si próprio e usufrui deste aprendizado em
forma de prosperidade e qualidade de vida”. Enquanto o Mundo do Menos,
hipnotizados pelo menor esforço, propõe
sempre menos: menos valor, menos salário, menos qualidade, “irremediavelmente
preso à própria armadilha, quanto mais procura abaixar o custo mais o valor vai
embora, mais os talentos desertam e mais a pobreza impera.”
Monir descreve com
presteza as experiências de Jacksonville e como indicadores de qualidade serviram
para melhorar o debate, criar uma agenda limpa fazer com que a comunidade
percebesse que as coisas estão interligadas, mais qualidade de vida, mais
prosperidade (e o inverso). Ele demonstra, por exemplo, como os negócios do Mundo
do Mais dependem mais das condições comunitárias e das interações
desenvolvidas, ao constatar o que levou e os desafios de Mohammed Yunus para
fundar o banco de microcrédito Grameen descritos magnificamente no livro. E por
aí vai mostrando em toda a obra como os negócios do Menos têm base dependente
de condições econômicas e como os negócios do Mundo do Mais convocam
entusiasmadamente todas as fontes de valor possíveis: cientistas, artistas,
bons profissionais, talentos, novas tecnologias; e aumenta o valor das coisas,
serviços e processos, tornando a todos mais produtivos.
Palavras finais pela Talentópolis
Monir chamava muito a
atenção para o que ele chamava de "projeto civilizatório Brasil". Bastante
autocrítico, jamais tampava o sol com qualquer peneira! O capítulo sobre a
Talentópolis ressalta bem isso levando o brasileiro a fazer um exame de
consciência sobre o “savoir vivre da
alma brasileira” e seu “belíssimo pragmatismo às avessas”. É extraordinário.
Por outro lado,
enobrece empreendimentos brasileiros fantásticos e de como os brasileiros podem
ser insuperáveis quando conseguem fazer com que sua criatividade combinada com
inteligência funcionem melhor em grupo. Ele mostra inúmeros exemplos de como o
Brasil se supera. O Brasil que deu certo para o Monir é o país que tropicalizou
a soja, que a produz de norte a sul do país, obra do Programa Brasileiro de
Melhoramento da Soja, iniciado em 1964. Ou como a Estação Experimental de Trigo
de Bagé desenvolveu nosso trigo; o desenvolvimento da tecnologia de barragens
de concreto por Itaipu; os ganhos do Brasil com a indústria aeronáutica e a
Embraer; a tecnologia do álcool carburante; como se tornou maior produtor de
frango do mundo; ou como significativo produtos de papel e celulose; a melhor
tecnologia do mundo para extração de petróleo de águas profundas; como o Brasil
detém todo o ciclo de enriquecimento de urânio; o primeiro transplante de
coração....
Economia do Mais é um
livro único. E o único livro que eu conheço que justifica a escolha de seu
formato, trazendo uma “Advertência à Academia”. É para libertar “propositadamente
o autor de diversos constrangimentos inférteis: a rigidez acadêmica, a diarreia
bibliográfica, a tirania da padronização científica e a praga das notas de
rodapé.” E nos convida a “ quebrar o marasmo e a seguir viagem...”
Uma viagem que conduz o
leitor a compreender gradualmente nossas fortalezas e fraquezas, sem máscaras
do politicamente correto. E constata, como parte da nossa natureza, princípios
do Mundo do Mais e do Mundo do Menos convivem simultaneamente em nossas mentes.
Entretanto, nutre-se sempre por uma esperança de que existe uma única ética
empresarial possível capaz de amalgamar a todos nós, quando a ampliamos essa
compreensão para outros setores da nossa vida: é o sapateiro fazendo bons
sapatos!
Patrizia Bittencourt Pereira, Linguista, mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR. Trabalha no
Sistema Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP) desde 2005 e há 3
anos integrou a equipe do
Centro Internacional de Formação de Atores Locais para a América Latina
(CIFAL), um programa
do Serviço Social da Indústria (SESI) em parceria com o Instituto das Nações
Unidas para Treinamento e Pesquisa (UNITAR/ONU), onde se dedica a projetos de treinamento avançado em Gestão Urbana e
Urbanização Sustentável para gestores públicos da América Latina. Desde 2010, dedica-se
ao estudo e pesquisa sobre Economia Criativa, território; novos padrões,
modelos de negócios e interações criativas. Colabora e é membro da Cátedra
Ozires Silva de Empreendedorismo do Instituto Superior de Administração e
Economia ISAE/FGV; Rede de Economia Criativa do Paraná (REDEC) e Rede Crie
Futuros.
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